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Archive for Outubro, 2008

A chegada de Lampião no inferno
 
   
José Pacheco da Rocha
  

 

Um cabra de Lampião

Por nome Pilão Deitado

Que morreu numa trincheira

Em certo tempo passado

Agora pelo sertão

Anda correndo visão

Fazendo mal-assombrado

E quem foi quem trouxe a notícia

Que viu Lampião chegar

O inferno neste dia

Faltou pouco pra virar

Incendiou-se o mercado

Morreu tanto cão queimado

Que faz pena até contar

Morreu a mãe de Canguinha

O pai de Forrobodó

Três netos de Parafuso

Um cão chamado Cotó

Escapuliu Boca Insossa

E uma moleca nova

Quase queimava o totó

Morreram dez negros velhos

Que não trabalhavam mais

E um cão chamado Traz-cá

Vira-Volta e Capataz

Tromba Suja e Bigodeira

Um por nome de Goteira

Cunhado de satanás

Vamos tratar da chegada

Quando Lampião bateu

Um moleque ainda moço

No portão apareceu:

— Quem é você, cavalheiro?

— Moleque, eu sou cangaceiro

Lampião lhe respondeu

— Moleque, não! Sou vigia

E não sou seu parceiro

E você aqui não entra

Sem dizer quem é primeiro

— Moleque, abra o portão

Saiba que sou Lampião

Assombro do mundo inteiro

Então esse tal vigia

Que trabalha no portão

Dá pisa que voa cinza

Não procura distinção

O negro escreveu não leu

A macaíba comeu

Lá não se usa perdão

O vigia disse assim:

— Fique fora que eu entro

Vou conversar com o chefe

No gabinete do centro

Por certo ele não lhe quer

Mas conforme o que disser

Eu levo o senhor pra dentro

Lampião: — Vá logo

Quem conversa perde hora

Vá depressa e volte já

Eu quero pouca demora

Se não me derem ingresso

Eu viro tudo asavesso

Toco fogo e vou embora

O vigia foi e disse

A satanás no salão:

— Saiba, vossa senhoria

Aí chegou Lampião

Dizendo que quer entrar

E eu vim lhe perguntar

Se dou-lhe o ingresso ou não

— Não senhor, satanás disse

Vá dizer que vá embora

Só me chega gente ruim

Eu ando muito caipora

Estou até com vontade

De botar mais da metade

Dos que têm aqui pra fora

Lampião é um bandido

Ladrão da honestidade

Só vem desmoralizar

A minha propriedade

E eu não vou procurar

Sarna para me coçar

Sem haver necessidade

Disse o vigia: — Patrão

A coisa vai arruinar

Eu sei que ele se dana

Quando não puder entrar

Satanás disse: — Isso é nada

Convide aí a negrada

E leve os que precisar

Leve três dúzias de negros

Entre homem e mulher

Vá na loja de ferragem

Tire as armas que quiser

É bom escrever também

Pra virem os negros que tem

Mais compadre Lucífer

E reuniu-se a negrada

Primeiro chegou Fuxico

Com um bacamarte velho

Gritando por Cão de Bico

Que trouxesse o pau da prensa

E fosse chamar Trangença

Na casa de Maçarico

E depois chegou Cambota

Endireitando o boné

Formigueiro e Trupizupe

E o crioulo Quelé

Chegou Benzeiro e Pacaia

Rabisca e Cordão de Saia

E foram chamar Bazé

Veio uma diaba moça

Com a calçola de meia

Puxou a vara da cerca

Dizendo: — A coisa está feia

Hoje o negócio se dana

E disse: — Eita baiana

Agora a ripa vadeia

E lá vai a tropa armada

Em direção do terreiro

Pistola, faca e facão

Clavinote e granadeiro

E um negro também vinha

Com a trempe da cozinha

E o pau de bater tempero

Quando Lampião deu fé

Da tropa negra encostada

Disse: — Só na Abissínia

Oh! Tropa preta danada

O chefe do batalhão

Gritou: — As armas na mão

Toca-lhe fogo, negrada!

Nessa voz ouviu-se tiros

Que só pipoca no caco

Lampião pulava tanto

Que parecia macaco

Tinha um negro nesse meio

Que durante o tiroteio

Brigou tomando tabaco

Acabou-se o tiroteio

Por falta de munição

Mas o cacete batia

Negro embolava no chão

Pau e pedra que pegavam

Era o que as mãos achavam

Sacudiam em Lampião

— Chega, traz um armamento

Assim gritava o vigia

Traz a pá de mexer doce

Lasca os ganchos de Caria

Traz o birro de Maçau

Corre vai buscar um pau

Na cerca da padaria

Lucífer mais satanás

Vieram olhar do terraço

Todos contra Lampião

De cacete, faca e braço

O comandante no grito

Dizia: — Briga bonito

Negrada, chega-lhe o aço

Lampião pode apanhar

Uma caveira de boi

Sacudiu na testa dum

Ele só fez dizer: — Oi!

Ainda correu dez braças

E caiu enchendo as calças

Mas eu não sei de que foi

Estava a luta travada

Já mais de hora fazia

A poeira cobria tudo

Negro embolava e gemia

Porém Lampião ferido

Ainda não tinha sido

Devido a sua energia

Lampião pegou um seixo

E o rebolou num cão

A pedrada arrebentou

A vidraça do oitão

Saiu um fogo azulado

Incendiou-se o mercado

E o armazém de algodão

Satanás com esse incêndio

Tocou um búzio chamando

Correram todos os negros

Os que estavam brigando

Lampião pegou olhar

Não viu mais com quem brigar

Também foi se retirando

Houve grande prejuízo

No inferno nesse dia

Queimou-se todo dinheiro

Que satanás possuía

Queimou-se o livro de pontos

Perderam seiscentos contos

Somente em mercadorias

Reclamava satanás:

— Horror maior não precisa

Os anos ruins de safra

E mais agora essa pisa

Se não houver bom inverno

Tão cedo aqui no inferno

Ninguém compra uma camisa

Leitores, vou terminar

Tratando de Lampião

Muito embora que não posso

Vos dar a resolução

No inferno não ficou

No céu também não chegou

Por certo está no sertão

Quem duvidar nessa história

Pensar que não foi assim

Querer zombar do meu sério

Não acreditando em mim

Vá comprar papel moderno

Escreva para o inferno

Mande saber de Caim

 

 

 

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Fotos da oficina


Quem quiser ver as fotos da oficina na II Festa do Mar em Paraty é só copiar o link e colar na barra de endereços, no alto da tela:

http://picasaweb.google.com/lercordel

Aqui no blog, à esquerda, tá passando um slideshow de umas das turmas que participaram. Se clicar nas fotos, o álbum de fotos abre também. Tem fotos de 5 turmas. Quatro da Escola Mangueira e uma da Pequena Calixto.

 

por Vitor Rebello

 

 

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foto: Paulo José

Uma festa anunciada
Nos arredores do céu
Agitou a bicharada
E provocou um escarcéu
Convidando bichos de asas
A um reservado coquetel

O convite era animado
Ia ter festa dançante
Não precisava ir arrumado
E nem com roupa elegante
Era só voar com cuidado
Pra se divertir bastante

Mas a festança celestial
Provocou muito ciúme
Teve bicho que ficou mal
Pois nunca teve o costume
De tentar voar sem asas
E virou logo um azedume

Quem tinha asa pra bater
Tratou mesmo de se arrumar
A araponga logo foi ver
Se o periquito já tinha par
E o papagaio queria saber
Quando a gaivota ia pra lá

De todos os convidados,
Tinha um especial.
Era o correto urubu,
Autêntico líder musical,
Que foi falar com o sapo,
Seu compadre e amigo leal

A festa no céu animou o sapo
Mas o urubu foi logo falando
“só chega lá quem sabe voar,
E quem não pode fica escutando
A gente cantar, dançar e brincar
Enquanto a lua estiver brilhando”

O sapo bem que pediu ajuda,
Mas com o pedido negado,
Partiu logo pra luta
A fim de enganar o coitado.
E quando o urubu bobeou,
Ele deu um golpe inusitado

Entrou num saco grande,
Que o Urubu levaria à festa.
Ao subir ficou meio hesitante,
Até que lá de cima viu a floresta
“que visual mais fascinante”,
Era a sua opinião mais modesta

De lá de cima dava pra ver
Também muita desolação.
Bicho sem árvore pra esconder
Rio doente com a poluição.
A natureza sofria sem dizer,
Vendo toda essa destruição.

Enquanto o sapo tudo via,
A viagem pro céu continuava.
As aves voavam com alegria,
Enquanto o urubu tocava,
Até o sapo perdeu o medo,
E no saco já rebolava

O ritmo era bem variado
Ia de valsa a samba no pé
E o urubu, entusiasmado,
voava até de marcha ré
quando surgiu algo engraçado
veio do saco, um grito de “oléé”.

E já na entrada do céu
Tinha muita diversão.
Passarinho fazendo rapel,
E a águia rindo com gavião,
Fizeram feijoada e sarapatel
Para os gulosos de plantão.

Lá no meio da folia,
Tava um verdadeiro show
Todo mundo se divertia
Com samba, rap e rock´n roll
E o sapo, de tanta alegria,
Caiu na gandaia e se esbaldou

Mas no meio da cantoria,
O sapo se assustou
Viu o urubu e entrou numa fria
Com um salgadinho ele se engasgou
E o compadre, que algo pressentia
Chegou no amigo e logo intimou

“Chegou a hora da verdade
Você vai ter de desembuchar
Fala como é que bicho sem asa
Vem pro céu sem saber voar
Você devia ta é na sua casa,
E pra lá é que tu deve voltar”.

O sapo, que não é camaleão,
Mudou de cor e perdeu a graça
Ficou branco, azul, cor de carvão
Se pudesse virava até fumaça.
Decidiu enrolar seu amigão
Pra não ter que contar a trapaça

“Compadre aproveite a dança,
A festa ainda vai melhorar
Vamos que a noite é uma criança
Eu te ajudo a escolher um par,
É melhor balançar a pança,
Do que ficar parado como está”

O urubu, que não era bobo,
Apertou o companheiro
Tentou fazer o sapo contar de novo
Como foi parar no festeiro
E a conversa virou papo de doido,
O enganado contra o cascateiro

Enquanto a conversa rolava
Os bichos dançavam a valer
Tinha passarinho embriagado
Fazendo discurso pra aparecer.
Até a cegonha, mais recatada,
Ainda procurava o que comer

E o urubu, injuriado,
Já estava era decidido
Queria desmascarar o sapo,
Pois temia ter sido iludido
E ficar com fama de otário,
É quase igual a de bicho traído

O sapo desconversava,
Pulava pra lá e pra cá.
Cantava, dançava e brincava,
Pra o amigo urubu despachar.
Cada vez a situação piorava,
Mas o golpe ele não ia entregar

Depois de muito escutar,
O urubu se deu por vencido.
A festa estava por terminar
E alguns bichos já haviam descido,
Quando o urubu decidiu voltar,
No saco, o sapo já estava escondido.

Voltando para a floresta,
Começa a viagem de descida.
O vôo transcorre normal
Até que o saco dá uma remexida.
E quando o urubu vê a bagagem,
Acha o amigo casca de ferida

Já no caminho de volta,
Começa a grande discussão
Largar ou não o sapo lá de cima,
Pra se esborrachar no chão.
O impasse permanece,
Sob um clima de tensão

“Compadre não se apresse
Ao tomar tal decisão.
É melhor esperar um pouco,
E me soltar pertinho do chão.
Afinal você não é louco
De perder um amigão.”

O urubu, que estava uma brasa,
Não teve muito que pensar.
Soltou o amigo sem asa
Pra ver se ele podia voar.
O sapo caiu direto em casa
E numa pedra foi se estatelar

Mas Deus, Nosso Senhor,
Analisou toda questão
E ao sapo cascateiro
Concedeu o seu perdão
Ele juntou os pedacinhos
E contornou a situação

E desse dia em diante,
O sapo ganhou uma lição,
Por querer voar sem asas,
Passa a vida pulando no chão.
Olhando o céu lá debaixo
E coaxando pedindo perdão.

Vocabulário:
Escarcéu: alvoroço, escândalo.
Inusitado: Inesperado
Hesitante: Duvidoso
Sarapatel: Iguaria preparada com sangue, fígado, rim, bofe, tripsa e coração de certos animais, especialmente porcos e carneiros, com abundância de molho e bem condimentado.
Recatada: Comportada
Impasse: Situação de difícil resolução.

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“Vamos começar uma conversa comprida…”


Cordel é o nome que se dava em Portugal e Espanha aos folhetos em que eram impressos textos com rima e métrica, feitos para serem cantados ou cantados antes de serem escritos. Esta tradição – que aproxima o Ocidente ao Oriente, Disney a Sherazade e as Mil e uma noites, começada antes de Cristo andar sobre as águas, por um povo que falava grego! – desembarcou na América com o descobrimento.
Aos povos nativos, moradores das terras “virgens”, foi imposta uma nova língua e uma nova cultura, a do colonizador estrangeiro. O texto rimado e musical europeu foi de encontro com a vivência ameríndia, que similarmente produzia relatos cantados e dançados. Devido à relação de força que caracterizou a conquista das terras americanas, pouco da cultura indígena sobreviveu, não podendo-se contudo ignorar intervenções nos vocábulos de língua portuguesa, na alimentação, na maneira do falar, nos costumes, na religião e nas lendas. O transporte de negros de África, feitos escravos no Novo Mundo, modificou ainda mais os bons modos europeus que por aqui se aventuraram.
As histórias que primeiro ecoaram nas lonjuras do sertão nordestino, foram as que fizeram sucesso do lado de lá do oceano, nas praias do velho mundo português e espanhol. Posteriormente, novas histórias foram criadas ou recriadas a partir daquelas, baseando-se na sensibilidade dos caboclos, cafuzos, mulatos e mamelucos do Brasil. O Nordeste, berço da primeira capital, acolheu a tradição oral, expressa pela a cantoria e pelo repente. Estes textos, feitos em forma de poema para mais facilmente serem memorizados, tinham como autores homens do povo, na maioria analfabetos, contratados para animação de festas de casamento , aniversário e até velórios.
Quando o trabalho com a terra era a única maneira de garantir a sobrevivência, o cantador seguia o caminho torto da literatura, passarinhando pelas freguesias para não morrer de fome. Os textos escritos no ar por estes poetas, com a chegada tímida da imprensa no interior do país em fins dos anos de 1800, puderam então ter as letras carimbadas em livrinhos que sempre tinham uma imagem na capa, a xilogravura. A sua venda se fazia nas acaloradas feiras sertanejas.



“A noiva sertaneja”, xilogravura de J. Borges, cordelista e xilogravurista pernambucano. XILO, que significa “madeira”, somado a GRAVURA, designa o nome desta arte de gravar figuras em madeira. A matriz talhada serve de matriz (o mecanismo parecido com o do carimbo) para a reprodução do mesmo desenho várias vezes. Esta técnica, que seviu muito ao cordel no Brasil, é originária da China, havendo registros de sua existência desde o século VIII.

Atualmente ainda são produzidos e impressos cordéis por todo o Brasil. No entanto, alguns dos novos continuadores desta tradição perderam muito daquela característica original ligada à oralidade. Encontra-se cordéis que dispensam a xilogravura, alguns até mesmo as rimas e a métrica que auxiliavam na memorização e propagação da história. Os pontos de venda deixaram de ser as feiras onde se buscava a leguminosa e a farinha, produtos indispensáveis à vida cotidiana.
Heleine Fernandes

Vocabulário:
Similarmente: de forma semelhante, parecida.
Terras “virgens”: terras intocadas pelo homem.
Mameluco: mistura de Norte Africanos( árabes, judeus, turcos, etc) com o índio.
Caboclo: mistura do branco europeu com o índio.
Cafuzo: mistura do índio com o negro
Mulato: mistura do negro com o branco europeu.

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O “Auto da Compadecida”, publicado em 1955 , é uma peça em que Ariano Suassuna aproveita histórias de cordéis antigos para contar uma nova história. O personagem mais marcante de sua peça veio justamente do clássico “Proezas de João Grilo”, de João Ferreira de Lima. Nele João Grilo é um sujeito fraco, feio, que tinha tudo para ser a mais azarenta das criaturas, mas que se sai bem das encrencas usando a esperteza, se valendo da inteligência para ser dono do seu destino. João Grilo é primo distante de Pedro Malazartes, outro sujeitinho melindroso e cheio das artimanhas, vindo da tradição portuguesa e espanhola. Guel Arraes, por sua vez, lança em 1999 a versão filmada da peça de Ariano Suassuna “O Auto da Compadecida”, sucesso do cinema brasileiro, diversão para todas as famílias. “Entrou por uma porta/ saiu por outra/ E quem quiser/ que conte outra…”
Heleine Fernandes

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