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Archive for Setembro, 2011

Roberto Carlos na Literatura de Cordel

Por MARCO HAURELIO*
A polêmica desencadeada pela proibição, na Justiça, do livro Roberto Carlos em Detalhes, de Paulo César Araújo, revelou que sob os raios fúlgidos da pátria, a liberdade sorri para poucos. É a ditadura econômica, de que fala Chico Buarque, para a cultura bem mais nociva que a dos milicos. Por falar em ditadura e em Roberto Carlos, retornemos a 1965, mais precisamente a Osasco, grande São Paulo. Nesta cidade, antes de uma apresentação no cinema Rex (do latim: rei), encontraremos Roberto saudoso de uma namorada que, naquele momento, estava bem longe, nos States. O ruído provocado pelo dial de uma estação de rádio manipulado por sua secretária, Edy Silva, sugeriu uma melodia. E assim nasceu o refrão: “quero que você me aqueça neste inverno e que tudo mais vá pro inferno”. Com a providencial ajuda de Erasmo Carlos, a música estourou nos quatro cantos do país.
Vamos agora ao Nordeste brasileiro, a bordo de um velho ônibus, saído de Maceió com destino a Aracaju, no qual viajava o poeta popular Enéias Tavares dos Santos conduzindo uma mala repleta de folhetos de cordel e bugigangas diversas. Ao lado do poeta um rádio repetia a imprecação em forma de canção do então rei da juventude, nascida naquela noite fria em Osasco, de que falamos há pouco. O poeta ficou atento apenas ao refrão. Quando saltou na capital sergipana, estava pronto, faltando apenas passar para o papel, o folheto A Carta do Satanás a Roberto Carlos. Na fabulação de Enéias, cansado de ouvir o cantor mandar tudo para o inferno, Satanás resolve escrever-lhe uma carta, tentando demovê-lo da idéia:Inferno, corte das trevas,
Meu grande amigo Roberto,
Eu vi o seu novo disco
É muito bonito, é certo,
Mas cumprindo a sua ordem,
O mundo fica deserto.
E o soberano das trevas faz mais este apelo ao ídolo da jovem guarda:
Tem feito muito sucesso
Essa sua gravação
Mas eu já sofri até
Ataque do coração
Porque aqui no inferno
É de fazer compaixão.
Se para aqui vier tudo
Eu fico muito apertado
Pois o inferno já está
Por demais superlotado,
Você ganhando dinheiro
E eu ficando aqui lascado.

Importante é notar a ressignificação da música na interpretação do poeta popular. O cordel fez tanto sucesso que possibilitou a Enéias “pôr em dia os atrasados”, conforme depoimento ao poeta João Gomes de Sá. Negociado com a Editora Prelúdio, hoje Luzeiro, este folheto é editado ininterruptamente há mais de 40 anos. No seu rastro vieram a lume mais três títulos, todos de Manoel D’Almeida Filho: A Resposta de Roberto Carlos a Satanás; A Chegada de Roberto Carlos no Céu e Roberto Carlos no Inferno. Convém notar que, no inferno, as diabas se comportam como as jovens admiradoras do “rei” em sua corte terrestre:

As diabas moças gritavam
Como que ficaram loucas,
Todas pediam autógrafos,
De gritar ficaram roucas,
Porque não havia força
Que calasse aquelas bocas.

Mais conservador é Apolônio Alves dos Santos, autor do folheto A Mulher que Rasgou o Travesseiro e Mordeu o Marido Sonhando com Roberto Carlos. Outro grande poeta, Joaquim Batista de Sena, lamenta as mudanças ocorridas na Igreja Católica, imputando-as a Roberto e seus seguidores:

Vou chamar primeiramente
O grande rei do hippysmo
O senhor Roberto Carlos
Com todo seu cafonismo
Pois ele foi quem mudou
A lei do cristianismo.

A bibliografia sobre Roberto Carlos no Cordel é extensa e reflete a mentalidade do autor, com enfoque ora conservador ora liberal, indo do satírico à estória de exemplo. Manoel D’Almeida, por exemplo, era consultor da Editora Prelúdio, que além da boa literatura de cordel, editava a Melodias, a revista da mocidade, na qual Roberto era figurinha carimbada. Daí o tratamento simpático dispensado ao cantor capixaba. Joaquim Batista de Sena, por outro lado, refletia a mentalidade sertaneja, refratária a mudanças, especialmente as ocorridas no seio da Igreja.

Marco Haurélio é poeta popular, pesquisador e assessor da editora NOVA ALEXANDRIA. Também já atuou como selecionador de textos da Editora Luzeiro.
E mais:
Poeta Luiz Wilson lança novo cordel sobre ROBERTO CARLOS
Ano passado, o poeta Luiz Wilson lançou um  cordel intitulado: Roberto
Carlos, 50 anos, emoções em rimas, pela editora Luzeiro.
O que com amor se escreve
Certamente não se apaga
Entre as comemorações
E tudo que se propaga
Minha homenagem é fiel
Na linguagem do CORDEL
Pra ROBERTO CARLOS BRAGA!


Nota: Retirado do blog Acorda Cordel de Arievaldo Viana.

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O 11 de setembro em cordel

Neste domingo, décimo primeiro dia do mês de setembro, não tem jeito de fugir da lembrança dos atentados terroristas. A televisão, o rádio, os jornais impressos não deixam… Todos fazem menção ao ataque às torres do World Trade Center como o maior atentado terrorista da história, num misto de lamentação e excitação. A busca pela audiência, por leitores, por ouvinte, enfim, por público, transforma a desgraça e a tristeza em espetáculo. É muito complicado perceber que de tantas rememorações daquele 11/9 de 2001, poucas sugerem críticas ao que se fez e ao que se ainda faz por aquele atentado. Infelizmente, o 11 de setembro tornou-se uma marca da ferida aberta ao norteamericanos, fazendo com que nos esqueçamos de um outro 11/9 acontecido há 38 anos no Chile, bem mais brutal, bem mais destruidor e bem mais canalha. Por outro lado, esta chancela de “maior atentado terrorista da história” mascara muitos outros crimes contra a humanidade cometida – pasmem! – pelos próprios seres humanos. O Holocausto da Segunda Guerra Mundial, a Diáspora Africana que migrou cerca de 15 milhões de africanos para servir como escravizados em todo o mundo, as próprias bombas de Hiroshima e Nagazaki, jogadas – como hoje se sabe – em um Japão sem forças, completamente liquidado. Enfim, tantas outras atrocidades da nossa história hoje ficam em segundo plano frente aos atendados de Bin Laden e cia.

Feita a crítica necessária à questão, retornemos a literatura, pois, a ela sim, vale a pena nos dedicarmos.

Que todos os temas possíveis são trabalhados pelos poetas populares, isso nós já sabemos. Nossa literatura de cordel apresenta uma multiplicidade incontável de assuntos (histórias maravilhosas, fatos históricos, biografias, opiniões, pelejas, romances, adaptações literárias, temas de utilidade pública, ficções científicas e tantas mais), mas uma das mais importantes é o fato jornalístico. Como disse Mestre Azulão no vídeo do post anterior, o cordel foi durante muito tempo o jornal do Sertão. E não apenas daquela região. Os cordelistas hoje espalhados por todo o país nos informam a todo momento das principais notícias. Muitas no momento dos acontecimentos, outras nem tanto, o que em geral permite uma maior reflexão do acontecido por parte do poeta. É justamente este o caso do 11/9. Pois, não é que Mestre Azulão, este verdadeiro vate das terras paraibanas e que hoje engrandece a Guanabara, resolveu escrever sobre o  famigerado atentado? É lógico que, vindo de Mestre Azulão (poeta que este blog é assumidamente fã), o cordel tinha que vir com críticas, muitas críticas sobre toda essa questão. Logo de início Azulão relembra suas próprias impressões sobre as torres de Nova Iorque, pois afinal de contas, ele as conheceu pessoalmente:

Terror nas Torres Gêmeas – José João dos Santos (Mestre Azulão)

Como poeta repórter
Nordestino Brasileiro
Descrevo neste cordel
Um lamentável roteiro
Do mais cruel fanatismo
Num ato de terrorismo
Que abalou o mundo inteiro

Uma môça americana
Muito educada e gentil
Veio até a minha casa
Fez-me um convite febril
Para ir ao Cite Lore
Entre cordel e folclore
Representar o Brasil

(…)

cordel de Azulão com xilogravura de Erivaldo

Foi no dia dez de Abril
De noventa e nove o ano
Eu andando em Nova York
Isento de qualquer dano
Subi até o terraço
Daquele monstro de aço
E orgulho americano

Foi no World Trade Center
Com seus cento e dez andares
Eu contemplando a altura
Avistei muitos lugares
Dando a impressão
Que estava de avião
Ou flutuando nos ares

Do seu enorme terraço
Olhei a imensidão
Eu vi que de Nova Jersey
Vindo em nossa direção
um pouco se desviando
Passava de vez em quando
Velozmente um avião

Eu pensei naquela hora
Refletindo em minha mente
Deus defenda um avião
Se chocar por acidente
Nestes prédios e explodir
Além de se destruir
Pode matar muita gente

Pois, Azulão previu o acontecimento. Embora proposital, ao invés de acidental, aquelas duas torres eram um alvo e tanto. E comenta o atentado terrorista:

Dois anos e cinco meses
Depois da minha visita
Terroristas portadores
De crueldade esquisita
Entre vinganças e tédios
Explodiram aqueles prédios
Ação cruel e maldita

(…)

É covarde e desumano
Quem faz atos de terror
Vingar-se de quem não fez
Maldade ou crime de horror
Uma ação injustamente
Fazer que o inocente
Pague pelo traidor

Passados alguns versos, o poeta faz algumas críticas à política de “combate ao terror” do governo estadunidense:

George Bush e seu império
Que quase o mundo governa
Com seus mísseis bombardeiros
Mata, destrói e inferna
Para Bin Laden encontrar
E sem perdão lhe matar
Com todos numa caverna

Mas só tem gastado armas
Helicóptero e avião
Bombardeando cidades
Mulher, criança, ancião
Toda aquela pobre gente
Indefesa e inocente
Porém Bin Laden não

Assim, minha gente, Mestre Azulão narra mais esta barbárie que impulsiona muitas outras mais. Sem deixar de lado o humor, o Mestre apresenta suas críticas e nos brinda com mais um interessantíssimo cordel. Como de praxe, finaliza com um acróstico, isto é, com versos que são iniciados pelas letras que fazem seu nome:

Não sou a favor do terror
Da morte e destruição
Mas quem fez ou faz maldade
Recebe a compensação
Não lembram os americanos
Que há cinquenta anos
Bombardearam o Japão

Milhares perderam as vidas
Ali num ato tirano
Zuada, grito e lamento
Um desastre desumano
Logo o fogo consumiu
Agonizou e feriu
O país americano

Em respeito ao autor,  é evidente que muitas estrofes ficaram de fora. Portanto, se houver interesse em ler este cordel na íntegra (vale muito a pena),  só comprando com o próprio Mestre Azulão, todos os domingos, na Feira de São Cristóvão, Rio de Janeiro. Ou então, ligando para o próprio a fim de encomendar. O telefone de contato é (21) 2664-2159 ou (21) 2664-3234.

por Vitor Rebello

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As oficinas do ponto de cultura “De repente na praça” continuam com suas inscrições abertas. As aulas gratuitas de violão com Vicente Telles, moldura em barro com Etemilton, xilogravura com Erivaldo e literatura de cordel com Mestre Azulão acontecem em diferentes horários, em diferentes dias, ao longo de toda a semana. Excelente oportunidade para quem se interessa por artes, poesia, música ou pela cultura nordestina de modo geral. Em primeiro mão, apresentamos no lercordel um convite realizado por Mestre Azulão, na própria Feira, para todos que se interessarem. Salve Azulão! Seu pedido é uma ordem.

maiores contatos: Marcela 21 7577-7211 ou  derepentenapraca@hotmail.com

por Vitor Rebello

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