Neste domingo, décimo primeiro dia do mês de setembro, não tem jeito de fugir da lembrança dos atentados terroristas. A televisão, o rádio, os jornais impressos não deixam… Todos fazem menção ao ataque às torres do World Trade Center como o maior atentado terrorista da história, num misto de lamentação e excitação. A busca pela audiência, por leitores, por ouvinte, enfim, por público, transforma a desgraça e a tristeza em espetáculo. É muito complicado perceber que de tantas rememorações daquele 11/9 de 2001, poucas sugerem críticas ao que se fez e ao que se ainda faz por aquele atentado. Infelizmente, o 11 de setembro tornou-se uma marca da ferida aberta ao norteamericanos, fazendo com que nos esqueçamos de um outro 11/9 acontecido há 38 anos no Chile, bem mais brutal, bem mais destruidor e bem mais canalha. Por outro lado, esta chancela de “maior atentado terrorista da história” mascara muitos outros crimes contra a humanidade cometida – pasmem! – pelos próprios seres humanos. O Holocausto da Segunda Guerra Mundial, a Diáspora Africana que migrou cerca de 15 milhões de africanos para servir como escravizados em todo o mundo, as próprias bombas de Hiroshima e Nagazaki, jogadas – como hoje se sabe – em um Japão sem forças, completamente liquidado. Enfim, tantas outras atrocidades da nossa história hoje ficam em segundo plano frente aos atendados de Bin Laden e cia.
Feita a crítica necessária à questão, retornemos a literatura, pois, a ela sim, vale a pena nos dedicarmos.
Que todos os temas possíveis são trabalhados pelos poetas populares, isso nós já sabemos. Nossa literatura de cordel apresenta uma multiplicidade incontável de assuntos (histórias maravilhosas, fatos históricos, biografias, opiniões, pelejas, romances, adaptações literárias, temas de utilidade pública, ficções científicas e tantas mais), mas uma das mais importantes é o fato jornalístico. Como disse Mestre Azulão no vídeo do post anterior, o cordel foi durante muito tempo o jornal do Sertão. E não apenas daquela região. Os cordelistas hoje espalhados por todo o país nos informam a todo momento das principais notícias. Muitas no momento dos acontecimentos, outras nem tanto, o que em geral permite uma maior reflexão do acontecido por parte do poeta. É justamente este o caso do 11/9. Pois, não é que Mestre Azulão, este verdadeiro vate das terras paraibanas e que hoje engrandece a Guanabara, resolveu escrever sobre o famigerado atentado? É lógico que, vindo de Mestre Azulão (poeta que este blog é assumidamente fã), o cordel tinha que vir com críticas, muitas críticas sobre toda essa questão. Logo de início Azulão relembra suas próprias impressões sobre as torres de Nova Iorque, pois afinal de contas, ele as conheceu pessoalmente:
Terror nas Torres Gêmeas – José João dos Santos (Mestre Azulão)
Como poeta repórter
Nordestino Brasileiro
Descrevo neste cordel
Um lamentável roteiro
Do mais cruel fanatismo
Num ato de terrorismo
Que abalou o mundo inteiro
Uma môça americana
Muito educada e gentil
Veio até a minha casa
Fez-me um convite febril
Para ir ao Cite Lore
Entre cordel e folclore
Representar o Brasil
(…)
Foi no dia dez de Abril
De noventa e nove o ano
Eu andando em Nova York
Isento de qualquer dano
Subi até o terraço
Daquele monstro de aço
E orgulho americano
Foi no World Trade Center
Com seus cento e dez andares
Eu contemplando a altura
Avistei muitos lugares
Dando a impressão
Que estava de avião
Ou flutuando nos ares
Do seu enorme terraço
Olhei a imensidão
Eu vi que de Nova Jersey
Vindo em nossa direção
um pouco se desviando
Passava de vez em quando
Velozmente um avião
Eu pensei naquela hora
Refletindo em minha mente
Deus defenda um avião
Se chocar por acidente
Nestes prédios e explodir
Além de se destruir
Pode matar muita gente
Pois, Azulão previu o acontecimento. Embora proposital, ao invés de acidental, aquelas duas torres eram um alvo e tanto. E comenta o atentado terrorista:
Dois anos e cinco meses
Depois da minha visita
Terroristas portadores
De crueldade esquisita
Entre vinganças e tédios
Explodiram aqueles prédios
Ação cruel e maldita
(…)
É covarde e desumano
Quem faz atos de terror
Vingar-se de quem não fez
Maldade ou crime de horror
Uma ação injustamente
Fazer que o inocente
Pague pelo traidor
Passados alguns versos, o poeta faz algumas críticas à política de “combate ao terror” do governo estadunidense:
George Bush e seu império
Que quase o mundo governa
Com seus mísseis bombardeiros
Mata, destrói e inferna
Para Bin Laden encontrar
E sem perdão lhe matar
Com todos numa caverna
Mas só tem gastado armas
Helicóptero e avião
Bombardeando cidades
Mulher, criança, ancião
Toda aquela pobre gente
Indefesa e inocente
Porém Bin Laden não
Assim, minha gente, Mestre Azulão narra mais esta barbárie que impulsiona muitas outras mais. Sem deixar de lado o humor, o Mestre apresenta suas críticas e nos brinda com mais um interessantíssimo cordel. Como de praxe, finaliza com um acróstico, isto é, com versos que são iniciados pelas letras que fazem seu nome:
Não sou a favor do terror
Da morte e destruição
Mas quem fez ou faz maldade
Recebe a compensação
Não lembram os americanos
Que há cinquenta anos
Bombardearam o Japão
Milhares perderam as vidas
Ali num ato tirano
Zuada, grito e lamento
Um desastre desumano
Logo o fogo consumiu
Agonizou e feriu
O país americano
Em respeito ao autor, é evidente que muitas estrofes ficaram de fora. Portanto, se houver interesse em ler este cordel na íntegra (vale muito a pena), só comprando com o próprio Mestre Azulão, todos os domingos, na Feira de São Cristóvão, Rio de Janeiro. Ou então, ligando para o próprio a fim de encomendar. O telefone de contato é (21) 2664-2159 ou (21) 2664-3234.
por Vitor Rebello
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